Quando esse ombro amigo chegar até você, estarei, provavelmente, me dirigindo para o aeroporto e, finalmente, vou contar meu destino de férias.
Foi um semestre e tanto por aqui: foram 3 capítulos de livros entregues, artigos científicos aprovados, manuscritos enviados, algumas bolsas chegaram, ajudei a organizar umas oficinas para desenvolvimento de professores, até de evento a distância eu participei ministrando palestras. Isso tudo somado a disciplina de graduação e pós-graduação e aquelas coisas que todo mundo tem, vez ou outra, irmão internado, mãe e bicho de estimação operados.
Confesso que estou cansada e precisando me desligar um pouco, mas deixei adiantado umas coisas que não gosto de furar a frequência como, por exemplo, o ombro amigo.
Vou compartilhar com você uma coisa que estou ansiosa para fazer assim que chegar no meu destino: aproveitar um fim de tarde em um bar típico de aperitivos.
Estive na Itália em 2019 para o “Pain Science in Motion colloquium”. No total, fiquei 5 dias completos em terras italianas. a maior parte do tempo dentro de salas do campus universitario di Savona da Università di Genovauma. Savona é cidade de litoral tão pequena que precisa ampliar bem no Google Maps para você encontrar.
Da esquerda para direita, Walter Ansanello, eu, Denise Martineli Rossi, Leandro Fukusawa e Gabriela Camargo nos stories que fiz em 2019 direto do “Pain Science in Motion colloquium”.
Fui realmente como congressista, não tive tempo para me envolver com a viagem e pensar o que queria conhecer ou aproveitar, mas foi nessa viagem que fui apresentada a um desses bares de aperitivo.
Quando a gente paga água em Euros é difícil não achar incrível a ideia de ter um buffet de comidinhas e você só pagar pela sua bebida. Me diverti demais em um desses bares, em Milão, especializado em Spritz, tomando a versão desse drink com Aperol e me deliciando com a pizza aos pedaços, queijos e embutidos.
Essa é uma foto do meu arquivo pessoal registrando o que dava para comer nesse bar em Milão (2019).
Me deixa só contar um pouco mais sobre porque estou te falando exatamente disso, ok? Como o propósito dessa vez é o passeio, estudei um tanto de coisas antes da viagem, inclusive a língua local e por isso acredito que posso apreciar a experiência do horário do aperitivo italiano como os italianos fazem e não mais só como uma turista.
Italianos não acreditam que é preciso ter fome para comer!
La Fame Vien Mangiando - A fome vem comendo, eles dizem e quero te mostrar como eu liguei isso com algo que ensino no curso de exposição gradativa (o famoso curso que tem mas acabou!).
Na Itália se janta tarde! Na região mais Sul, perto das 21h e no Norte, perto das 20h. Então os italianos encurtam o tempo sem uma refeição tirando um horário no fim da tarde para tomar uma bebida alcoólica com uma porção pequena de alguma coisa para comer. Você pode fazer um aperitivo em casa, mas no verão e, especialmente, em Milão, o local mais apropriado é um bar, de preferência, na companhia de amigos. Você pode ir só e ser abstêmio, mas aí não é algo bem italiano. Os italianos de todas as idades dão muito valor esse momento do aperitivo como uma oportunidade para relaxar e conversar.
Essa é uma foto do meu arquivo pessoal mostrando a beira do canal Naviglio em Milão (2019). Os ombrelones marcam a parte externa dos bares de aperitivos que dominam a beira do canal. O valor único pelo acesso ao buffet de comidinhas é das 18 ás 22h. Depois deste horário a comida é recolhida e você pode continuar no bar, consumindo e pagando.
A palavra aperitivo vem do latim "aperire", que significa abrir, construir uma via de acesso. Quando escutei isso, em uma das aulas de italiano, pensei logo na estratégia de imaginar o movimento antes de executá-lo.
Essa é uma técnica muito usada por atletas de alto desempenho e você já pode ter ouvido a história de que o Michael Phelps (Michael Fred Phelps II para ser exata) se imaginava nadando como parte das recomendações feitas pelo treinador para a preparação dele.
No curso de exposição gradativa tem uma aula, na qual explico porquê deveríamos sempre pedir ao paciente, com dor e perda de função, para que ele imaginasse a sequência completa de movimentos para um exercício ou tarefa antes de iniciar o movimento em si.
Quando imaginamos um movimento que vamos fazer a seguir, ocorre uma ativação de neurônios no córtex pré-motor e motor do cérebro. Portanto, a imaginação do movimento não é apenas um processo mental ou cognitivo, mas também envolve a ativação de circuitos neurais específicos. Essas redes neurais estão envolvidas no planejamento e na execução de movimentos voluntários. No córtex pré-motor, ocorre a formação de representações mentais dos movimentos que pretendemos realizar. Essas representações são conhecidas como "mapas motores" e são responsáveis por organizar as sequências de atividade neural necessárias para a execução do movimento. À medida que imaginamos o movimento, os neurônios no córtex pré-motor disparam de forma semelhante aos que seriam ativados durante a execução real do movimento, só que em intensidade menor. Isso é conhecido como "ativação motora simulada" ou "ativação motora interna". Essa ativação neuronal interna é uma espécie de ensaio mental que prepara o cérebro para a execução do movimento real. Esses sinais do córtex pré-motor são então transmitidos para o córtex motor, que é responsável por enviar comandos para os músculos e controlar os movimentos do corpo. A ativação neuronal no córtex motor está relacionada à ativação dos músculos específicos necessários para o movimento imaginado.
Resumindo (e aceitando que não sou uma especialista em controle motor), quando imaginamos um movimento que vamos fazer a seguir, há uma ativação dos neurônios no córtex pré-motor e motor, além da elaboração cognitiva do mesmo. Essa ativação envolve a formação de representações mentais do movimento, a ativação motora simulada e a preparação do cérebro para a execução real do movimento.
A imaginação do movimento funciona, portanto, como um aperitivo, ela abre vias de reconhecimento ou percepção corporal e de planejamento do gesto e deixa alguns neurônios motores do cortéx mortor preparados para despolarizar mais fácil quando o movimento voluntário se tornar real. Esse processo é tanto mais elaborado quanto mais detalhes são incluídos na elaboração como, por exemplo, pedindo ao paciente para pensar na velocidade, sensações de posição dos segmentos no espaço, peso do segmento movimentado e até o ambiente externo onde está se movendo mentalmente.
Obviamente quero tornar essa analogia entre o aperitivo italiano e a imaginação do movimento um pouco mais refinada para você. Pense que a imaginação do movimento não se trata apenas de abrir as vias de ativação. Uma boa imaginação de movimento também não deve ser feita as pressas, exige tempo e conversa para o paciente não achar que algo esotérico está sendo proposto, exige algum grau de relaxamento no começo seguido de mais e mais informações sendo adicionadas (como temperatura, velocidade, obstáculos) assim como acontece quando a terceira amiga chega na mesa e as histórias compartilhadas com um Aperol na mão vão nos tornando um pouco mais ruidosas e risonhas. Por fim, assim como o aperitivo italiano está presente como hábito de diferentes gerações, a imaginação do movimento antes da execução não precisa ser um recurso terapêutico exclusivamente ofertado a pacientes com altos níveis de incapacidade relacionados a dor ou disfunção, ele pode ser usado sempre que você quiser mais atenção do seu paciente e mais preparação do sistema nervoso para realizar algum movimento ou tarefa (quem sabe com aqueles pacientes que tem um finalzinho de movimento precisando melhorar?)
Na próxima vez que for tentar um movimento novo com seu paciente, aproveite para convidá-lo para um aperitivo (sem álcool) antes: um movimento imaginado!
Firmato: Spalla Amica
Assinado: Ombro Amigo
Adorei. Um bom aperitivo sempre torna o jantar bem mais agradável de interessante. Boa viagem. Aproveite as férias e tome um Aperol Spritz lá por mim. É meu drink favorito. ❤️🥂
Apesar de não ser da área de oropedia, eu gosto muito de ler o boltim "Ombro Amigo". A cada texto, a Donamaria se supera. Li e imaginando o Aperol na minha mão....ah Italia linda!